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Vaticano, ITF e empregadores juntam forças na luta pela justiça global

Notícias 26 Jun 2019

Declaração final da Oficina (Casina Pio IV, 4-5 de março de 2019)


O Chanceler da Academia Pontifícia de Ciências Sociais, em colaboração com a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF), foi anfitrião da primeira cúpula de líderes de sindicatos de transportes, de manufaturas e de tecnólogos ao redor do mundo que se deu na Casina Pio IV, no Vaticano, nos dias 4 e 5 de março de 2019. A delegação consistiu de representantes da ITF e dos seus sindicatos afiliados da Deloitte, Transdev, MSC Shipping, Nuovo Trasporto Viaggiatori, Volvo, General Motors, Securing Americas Future Energy, Daimler Financial e Mobility Services.

A cúpula abordou alguns dos maiores desafios enfrentados pela sociedade contemporânea, incluindo a promoção da justiça social, econômica e ambiental mediante um acordo para desenvolver um programa de trabalho para implementar uma resposta coletiva a tais desafios. A declaração abaixo resume a discussão que se deu na cúpula:

Introdução

O objetivo da primeira cúpula foi criar um grupo de atores responsáveis da indústria para conscientizar o mundo a respeito dos desafios envolvendo o setor de transportes bem como o restante da sociedade: escravidão moderna, tráfico humano, exploração do trabalho, automação e mudança climática. Laudato Si’, a segunda encíclica do Papa Francisco, junto à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, ofereceu aos sindicatos, empresas e governos um arcabouço para abordar os desafios e oportunidades apresentados por tais questões. Junto com a Igreja Católica, nós nos comprometemos a continuar o diálogo nos níveis Internacional, Nacional e Local para proteger e promover direitos humanos e trabalhistas como meio de lutar por justiça quanto a essas questões.

A liberdade de associação, de organização, de negociação coletiva e de ação diz respeito a direitos humanos fundamentais. As organizações sindicais sempre desempenharam um papel de liderança na construção de novos modelos de desenvolvimento ambiental, econômico, social e integral e na promoção de novas formas de trabalho. Esses esforços devem ser levados a cabo em cooperação com parceiros relevantes da indústria e da sociedade.

Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

A  Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável define as prioridades globais de desenvolvimento para os 193 estados membros da ONU. Dentro da Agenda 2030 há 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável s (ODSs), com os quais todos os países se comprometem. Os 17 ODSs  clamam pelo fim da pobreza extrema (ODS 1); cobertura universal de saúde (ODS 3); educação de qualidade para todas as crianças (ODS 4); igualdade de gênero (ODS 5); trabalho decente para todos (ODS 8); a redução das desigualdades dentro das nações e entre uma nação e outra (ODS 10); o fim da mudança climática induzida pelo ser humano (ODS 13); o estado de direito, com instituições públicas efetivas (ODS 16); e demais metas.

Estes objetivos e metas e indicadores associados irão nos prover um arcabouço global de ação e é preciso que lutemos para fazermos tudo que estiver ao nosso alcance para realizar esses ODSs em nível nacional, regional e internacional. O fortalecimento do sistema multilateral por meio de um genuíno diálogo e cooperação ajudará a renovar o contrato social entre governos e cidadãos e a desenvolver soluções justas e sustentáveis. Intelectuais, líderes empresariais, empregadores, organizações da sociedade civil, organizações internacionais e especialmente governos nacionais devem assumir responsabilidade coletiva para que haja justiça social e econômica tanto agora como no futuro.

Justiça Climática

A mudança climática, a crescente escassez de água fresca, a perda de biodiversidade e um amplo declínio de vínculos sociais são coisas intrinsecamente ligadas. Nunca antes a humanidade feriu e maltratou o nosso planeta – “a nossa morada comum” – como se tem visto nas recentes gerações. A mudança climática de indução humana configura uma crise global com profundas implicações ambientais, sociais, econômicas e políticas.

Se agirmos agora e de maneira decisiva, ainda existe chance de deter a mudança climática mais perigosa, e de alcançar o objetivo definido pelo Acordo Climático de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1.5 grau Celsius. A expansão do transporte público movido a eletricidade de zero carbono é uma parte essencial da luta para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e abordar a mudança climática. São necessárias políticas ousadas, adaptadas às necessidades específicas de países e cidades. O alcance da emissão zero nas cidades somente será possível mediante uma expansão imediata e ambiciosa de um transporte público acessível, abundante, seguro e confiável no mundo todo e de uma rápida mudança para os veículos de emissão zero, tanto veículos leves quanto pesados, a exemplo dos caminhões.

O desenvolvimento dos sistemas de transporte público do futuro pode criar milhões de empregos de qualidade ao longo da cadeia de valor da infraestrutura e do transporte. Também pode trazer para o mundo do trabalho grupos anteriormente marginalizados e prover-lhes emprego mais seguro e capacitado. O processo de compras para esse transporte público tem o potencial de incorporar padrões decentes de trabalho bem como de prover treinamento e estágio para mulheres, jovens e comunidades marginalizadas.

Na maioria das cidades do mundo, existe uma crescente disparidade entre o lugar onde o trabalho se faz disponível e aquele em que a população pobre e da classe trabalhadora reside. O transporte público acessível, abundante, seguro e confiável é uma medida de redução da pobreza crítica e efetiva, que permite que pessoas pobres e da classe trabalhadora tenham acesso a emprego pago e de melhor qualidade.

Também devemos procurar uma transição justa para os trabalhadores no setor de transportes existente e vamos lutar para que os trabalhadores dos transportes do futuro desfrutem de remuneração e condições de trabalho decentes, bem como de estabilidade no emprego. Se as emissões relacionadas aos transportes tiverem que ser reduzidas, muitos novos empregos poderão ser criados. Os trabalhadores dos transportes tanto informais quanto formais devem engajar-se plenamente no planejamento e na implementação desses sistemas expandidos de transporte público. Os trabalhadores que dirigem taxis e furgões têm as habilidades e a experiência para serem os profissionais dos serviços de mobilidade pública do futuro.

Novas tecnologias e o futuro do trabalho

A tecnologia no local de trabalho, incluindo automação, digitalização e tecnologia de veículos não tripulados está sendo usada para substituir, intensificar e reestruturar os processos trabalhistas. O seu desenvolvimento e uso tem custos assim como benefícios sociais. A tecnologia no local de trabalho, incluindo a automação, a digitalização e a tecnologia não tripulada, pode ser usada para reestruturar os processos de trabalho. Essas novas tecnologias podem aportar muitos benefícios em eficiência, meio ambiente e segurança. Podem melhorar tanto os serviços de transportes como o trabalho no setor de transportes. Algumas tecnologias têm o potencial de tornar o trabalho mais criativo e recompensador, mediante a remoção de tarefas rotineiras. Essas tecnologias também podem reduzir os impactos ambientais adversos do transporte.

Experimentamos hoje, no entanto, uma economia que aceita cada avanço da tecnologia com vistas ao lucro, sem a devida consideração com os impactos potencialmente negativos sobre os seres humanos. Trabalhadores e consumidores não devem aceitar os custos sociais potencialmente elevados da digitalização. A transição para essas novas tecnologias e a sua introdução devem levar em conta o elemento humano – incluindo custos sociais, redução tributária, abalo do trabalho e ameaças à segurança pública tanto física quanto patrimonialmente. A única maneira de alcançar isto é garantir que quando haja uma introdução de novas tecnologias em escala potencialmente grande, com efeitos potencialmente desorganizadores dos trabalhadores e da sociedade, que estas mudanças sejam introduzidas em consulta e com a participação dos sindicatos de trabalhadores, dos fazedores de políticas e dos parceiros sociais.

Não há dúvida de que a tecnologia desempenha um papel importante na formação de nossos locais de trabalho e sociedades. As pessoas, em geral, e os trabalhadores, especificamente, deveriam se beneficiar, portanto, do desenvolvimento tecnológico e participar dele. Quando não participam, a tecnologia não raro beneficia apenas uma minoria, ao passo que causa dor e deslocamento de amplos segmentos da sociedade. A tecnologia não pode se divorciar da questão do poder político porque, quem quer que tenha o poder político será quem decidirá como as tecnologias serão empregadas e a quem caberá perder ou ganhar no processo. Os proprietários dos dados também são poderosos porque uma parte chave da atual mudança tecnológica está na capacidade de produzir e analisar dados. A Big data pode ajudar a tornar os sistemas de transportes mais eficientes, mas também pode resultar em perda de privacidade e em poder político e comercial indevido para aqueles que detêm os dados.

Uma supervisão democrática das tecnologias digitais é chave para o desenvolvimento sustentável, especialmente com essas tecnologias que têm o potencial de minar as condições de trabalho e reduzir o controle pelos trabalhadores. O equilíbrio de poder entre trabalhadores e empregadores irá determinar no interesse de quem esses problemas irão se resolver. Empresas, sindicatos e governos devem trabalhar juntos para garantir que a introdução da nova tecnologia também ponha o elemento humano no centro das decisões.

Todos os trabalhadores sofrerão o impacto da automação e da introdução da nova tecnologia, mas os jovens serão afetados de maneira desproporcional pela nova tecnologia no local de trabalho. As tecnologias que estão num estágio experimental de desenvolvimento irão ganhar massa e escala num prazo de dez a quinze anos, significando que os trabalhadores jovens estarão no meio de suas carreiras quando o seu impacto for sentido. Governos, fazedores de políticas e sindicatos devem trabalhar juntos para garantir que haja uma preparação apropriada de capacidades e uma justa transição para todos os trabalhadores que sofrerão o impacto adverso da transformação da natureza do trabalho, incluindo medidas para garantir uma educação continuada e o retreinamento de trabalhadores, protegendo os direitos trabalhistas e sem eliminar os benefícios sociais.

Erradicação da escravidão moderna

A falta de partilha dos benefícios do crescimento, junto com o aumento da desregulamentação e a erosão dos direitos humanos, inclusive dos direitos trabalhistas e sindicais, tem contribuído para os níveis sem precedentes de desigualdade de renda que vemos ao redor do mundo – onde 26 pessoas detém a riqueza de 3.75 bilhões de pessoas! São trabalhadores demais sendo forçados ao emprego precário sem qualquer segurança no emprego ou proteção social, incluindo falta de aposentadoria e de acesso a benefícios sociais como seguro de saúde. Em muitos lugares do mundo, o transporte – particularmente o transporte urbano de passageiros – se concentra majoritariamente na economia informal. Em 2018, estima-se que 62% da força de trabalho mundial foram empregados na economia informal. Precisamos trabalhar para facilitar a transição para um emprego justo, produtivo e formal. As mulheres são hoje afetadas de maneira desproporcional. No mundo todo, três entre quatro trabalhadores jovens estão empregados no mercado informal.

A escravidão moderna se dá ao redor do mundo, em cada indústria e em cada setor, na economia informal e formal. O relatório de 2017, “As Estimativas Globais da Escravidão Moderna”, publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que 40 milhões de pessoas são vítimas da escravidão moderna, com uma estimativa de 25 milhões de pessoas sujeitas ao trabalho forçado. Esses 25 milhões de homens, mulheres e crianças são traficados, mantidos em vínculo por dívida ou trabalham em condições análogas à escravidão.

Em 2017, a inspetoria da ITF coletou US$ 38 mi em salários não pagos aos marítimos. Essas cifras, ao mesmo tempo que espantosas, são consistentes e se dão ano após ano. A inspetoria da ITF também assistiu na repatriação de marítimos abandonados e na provisão do básico em comida e mantimentos, quando atores irresponsáveis da indústria da navegação não respeitam acordos coletivos ou direitos trabalhistas. Tais problemas não são exclusivos da indústria marítima. Por exemplo, em dezembro de 2018, ganhou as manchetes o mau-trato dado aos motoristas filipinos na Dinamarca, desmascarado pelos sindicatos. Mediante a exploração das brechas nas normas da União Europeia, empregadores irresponsáveis trazem motoristas de Manila para a Europa para trabalharem por salários aviltantemente baixos (US$1060 por mês). É preciso abordar a exploração dos trabalhadores.

Desregulamentação, privatização, subcontratação e erosão dos direitos sindicais criaram um ambiente que é propício para a exploração dos trabalhadores. As corporações multinacionais no topo das cadeias mundiais de suprimento precisam ser responsáveis pelos trabalhadores seus e pelos milhões de trabalhadores que fazem parte da cadeia de suprimento mundial. A crescente dependência da subcontratação tem contribuído para condições de exploração sem precedentes, mesmo para a escravidão moderna. É critico que os operadores multinacionais trabalhem juntos com parceiros sindicais e patronais para estabelecerem de maneira coletiva os padrões mínimos para todos os níveis da cadeia de suprimento, de forma a assegurar condições de trabalho justas que garantam dignidade e respeito aos trabalhadores. Juntos, precisamos desenvolver prestação de contas mediante o desenvolvimento de critérios de governança ambiental e social (ESG) que sejam mensuráveis, renováveis e regulamentados de maneira apropriada em âmbito nacional e internacional.

A erradicação da escravidão dos tempos modernos está de maneira intrínseca relacionada à eliminação da violência no local de trabalho. As mulheres sofrem de maneira desproporcional o impacto da violência no local de trabalho. Sabemos que a violência de gênero é epidêmica e requer uma abordagem sistemática, que é a razão pela qual devemos trabalhar coletivamente para assegurar a aprovação da convenção da OIT sobre violência e assédio no trabalho, quando isto está sendo considerado para a segunda e final rodada de negociação da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) em junho de 2019. A aprovação desta convenção provê orientação e padrões jurídicos para prevenir e abordar a violência de gênero.

É absolutamente inaceitável e abominável que em pleno século vinte e um, com todas as riquezas do mundo, ainda se trafiquem pessoas e que elas sejam sujeitas ao trabalho forçado. Sindicatos e empresas devem trabalhar com a sociedade mais ampla para abordar e implementar as medidas para prevenir a escravidão dos tempos modernos, eliminar a violência no local de trabalho, assegurar que haja legislação trabalhista e que seja observada, e que as partes culpadas prestem contas em todos os níveis onde houver violações. Essas são as metas dos ODSs, e acima de tudo do ODS 8.7: “erradicar o trabalho forçado e a escravidão moderna, acabar com a escravidão e o tráfico humano e garantir a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e o uso de crianças combatentes, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas.”

Conclusão

Todas as partes presentes comprometem-se a um diálogo permanente para encontrar um chão comum para promover a justiça social, os direitos sindicais, o trabalho decente e a igualdade no contexto do transporte moderno e ao longo da sociedade como um todo. Nós nos comprometemos com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e, notadamente, com o fim da pobreza, com o fim de todas as formas de escravidão, e o fim da mudança climática de indução humana, conforme solicitado pela encíclica Laudato si’. Reconhecemos que, a fim de realizar esses objetivos, precisamos ter cooperação, confiança e respeito mútuo. Isto servirá de fundamentação para responder coletivamente aos novos desafios que foram definidos durante a cúpula. Podemos responder de maneira positiva e ativa a esses desafios. Consideramos ser este o começo de uma relação e que a nossa responsabilidade mútua irá nos levar ao próximo nível.

 

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