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Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho: fazendo a tecnologia trabalhar por nós, não contra nós.

Notícias 30 Apr 2019

Por Victor Figueroa, pesquisador estratégico da ITF


Saúde e Segurança Ocupacional (SSO) é algo crucial para os trabalhadores no mundo todo. Por décadas, trabalhadores de diferentes países conquistaram reconhecimento do seu direito de trabalhar em ambientes mais seguros. Em alguns países, as normas de SSO são uma ferramenta chave para defender os direitos dos trabalhadores.

28 de abril é o dia de os trabalhadores em toda parte se lembrarem das lutas do passado, mas também projetarem as lutas que virão. Por exemplo, novas tecnologias e as práticas de trabalho baseadas nelas estão trazendo novos desafios para a saúde e segurança dos trabalhadores, e novas tecnologias também oferecem novas oportunidades de proteção dos direitos existentes.

A versão tecnológica da vara de pescar com cenoura pendurada da Amazon

Esta semana, eu estive na Espanha discutindo como a tecnologia afeta os trabalhadores nas instalações da Amazon nesse país, e fiquei horrorizado com o seu nível de controle e de completa falta de consideração com o bem-estar dos trabalhadores, que se faz notar na maneira como a tecnologia é usada nos armazéns.  Como líder tecnológica e empresa em crescimento, a Amazon é um exemplo preocupante dos desafios que um número crescente de trabalhadores irá enfrentar no futuro, quando as tecnologias de monitoramento e de “benchmarking” se tornarem mais difundidas.

Os trabalhadores descreveram para mim como a tecnologia tem sido combinada à cultura de intimidação da empresa para criar um ambiente de alta pressão, onde abundam as lesões e o estresse. Sistemas de “Horas de Poder” e de “Em suas marcas, Preparar, Já!” são combinados com exortações positivas (“As crianças não vão receber seus presentes se não batermos essa meta!”) e fornecem as cenouras, ao passo que a tecnologia provê a vara de pescar para criar um ambiente de trabalho onde as pessoas trabalham no limite da exaustão por horas e dias a fio. O custo físico e mental é severo.

Os funcionários da Amazon falaram de trabalhar sob a supervisão de algoritmos que definem o ritmo de trabalho, com ninguém sabendo qual o critério usado e nem quem decide se isso é possível ou razoável. O índice de trabalho de fato e o índice de trabalho almejado costumavam ser mostrados acima das estações de trabalho, mas os gerentes descobriram que os trabalhadores podiam reduzir o ritmo se estivessem acima do índice almejado, de forma que o indicador foi removido. Os funcionários se esforçam mais se não fazem ideia de estarem alcançando suas metas. As metas podem ser batidas mais facilmente se gerentes e supervisores podem fustigar as pessoas dizendo-lhes ‘estas flojo’ (“você está mole”).


Monitorado ao extremo, trabalhando ao extremo

Como se não bastasse, carteiras de identidade com chips comunicam ao sistema onde os trabalhadores estão, de forma a serem rastreados com facilidade. Cada momento dos trabalhadores é seguido e ‘líderes’ de equipe ou gerentes flagram a menor das infrações. Trabalhadores podem perder dois ou três dias de pagamento por deixarem uma porta entreaberta, por exemplo. Trabalhadores também reportam cameras de vigilância nos vestiários, mas ninguém sabe quem tem acesso às imagens ou para que são usadas. É um outro exemplo de a tecnologia não sendo transparente para os trabalhadores.

Mas a tecnologia não é apenas usada para rastrear os trabalhadores no entorno das instalações, condicionando também o seu nível de produção. Telas nas estações de trabalho mostram onde os trabalhadores põem seus itens e scanners acompanham os itens enquanto eles são levados de um lado ao outro. Os algoritmos também permitem saber onde e quando as coisas são deslocadas e quanto tempo isso deve levar. Os mesmos movimentos são feitos vezes sem fim. Um trabalhador disse, “isso transforma você em um robô e você fica entorpecido”. Trabalhadores em algumas estações de trabalho ficam literalmente numa gaiola por oito horas seguidas e sem qualquer contato social, a fim de serem mantidos longe dos robôs que lhes trazem as prateleiras. “Você pode desfalecer lá dentro e ninguém vai tomar conhecimento”, disseram. Um trabalhador ficou dois meses nessas gaiolas. “Eu queria morrer ao final de cada turno”, eles disseram. 

Os trabalhadores estão fazendo centenas e às vezes milhares de repetições do mesmo movimento em cada turno, o que ao longo do tempo resulta em altos índices de lesão. As lesões mais comuns são nos pulsos, mãos e joelhos, ainda que em certas estações de trabalho sejam nas costas. A empresa se recusa a aceitar que as lesões acontecem no trabalho, com os gerentes acompanhando os trabalhadores que reportam as lesões e mantendo longe os representantes sindicais. “Você não quer trabalhar?”, perguntam os gerentes a alguns. Os trabalhadores dizem que estão completamente exaustos ao final do turno e riem com ironia quando são perguntados se pedalam para ir e voltar do trabalho: “Eu posso garantir: ninguém quer pedalar após oito horas de trabalho duro.”

A alta tecnologia em saúde, segurança e humanidade ocupacional

Nesse ambiente, a tecnologia é usada para que as pessoas sejam levadas ao extremo da sua resistência física e emocional. À medida que tal tecnologia vai se tornando comum, é vital que os trabalhadores em toda parte sejam defendidos por medidas de Saúde e Segurança Ocupacional que previnam a aplicação de níveis de trabalho arbitrários e desumanos mediante a tecnologia. Os trabalhadores precisam saber que níveis são esses e serem capazes de mudá-los. Os trabalhadores precisam de períodos de descanso apropriados, particularmente se estiverem trabalhando com telas e isolados dos outros. E os trabalhadores devem ter acesso aos dados produzidos pelo equipamento de monitoramento e vigilância, de forma a saber o que a tecnologia está fazendo e com que finalidade.

Assim como a tecnologia é usada para monitorar os trabalhadores e força-los a trabalhar mais intensamente, ela também pode ser usada para monitorar as condições de trabalho e proteger os trabalhadores dos abusos. Tudo depende de quem controla a tecnologia e da finalidade com que é usada.

Os trabalhadores não querem supervisores digitais, mas tecnologia que aumente a capacidade, que permita trabalhar melhor, não apenas mais duro. Amazon, você está ouvindo?

 

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