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A multinacional que está tentando arruinar o sindicato dos portuários tem um passado sórdido

Notícias 31 Jan 2020

Este artigo foi publicado originalmente em In These Times.

O International Longshore and Warehouse Union (ILWU) está enfrentando uma crise existencial.

Fundado pelo ícone da militância sindical Harry Bridges, o ILWU criou sua fama de sindicato “que não leva desaforo para casa” da costa oeste, envolvido em paralisações e outras táticas tanto para proteger seus empregos e benefícios, como para combater a guerra e o racismo.

Em novembro, um júri federal em Portland, Oregon, condenou o sindicato a pagar uma multa de $93,6 milhões à subsidiária americana da empresa filipina International Container Terminal Services (ICTSI), que anteriormente operava o terminal de Portland. Os antecedentes são uma questão complicada sobre a jurisdição do sindicato. Em 2012, o ILWU local começou uma série de operações tartaruga em dois trabalhos, envolvendo o manuseio de contêineres refrigerados (assim como equipamentos elétricos relacionados a esses contêineres), que o sindicato acreditava estarem sendo erroneamente deixados de fora da convenção coletiva de trabalho do ILWU. Em vez disso, esses dois trabalhos portuários estavam sendo representados pela International Brotherhood of Electrical Workers (IBEW). A ICTSI processou o ILWU, alegando que a ação era um boicote secundário ilegal e que anos de litígio com o sindicato tinham causado prejuízos financeiros à empresa. O júri decidiu em favor da ICTSI.

O ILWU tinha $8 milhões em ativos, segundo o registro mais recente do Department of Labor (o Local 8, local envolvido no processo, tinha um total de ativos no valor de $386.000, consoante seu registro no DOL). Obviamente, se na audiência, em fevereiro, o juiz mantiver a decisão, isso certamente levará o sindicato à falência.

Embora os representantes digam que isso não seria, necessariamente, o fim do sindicato, a reestruturação do sindicato provavelmente restringiria sua capacidade de representar e organizar os trabalhadores. O presidente do sindicato, Willie Adams, disse em uma mensagem no jornal do sindicato, o Dispatcher, Esperamos que o tribunal reveja a sentença e considere um resultado diferente, que seja mais justo e consistente com as provas. Se isso não acontecer, existe a possibilidade de buscarmos a proteção do tribunal federal para reorganizarmos nossas finanças, nos termos das proteções concedidas pelo tribunal federal de falências. Embora ninguém queira tomar essa medida, pode ser a melhor maneira de proteger o ILWU e nos permitir sanar a nossa situação financeira o mais rapidamente possível.”

O envolvimento da ICTSI neste caso chocou os sindicalistas marítimos. É uma das operadoras de portos mais conhecidas no mercado, uma empresa que lucra com a guerra, a miséria e a exploração trabalhista. A notícia de que a ICTSI buscaria destruir o sindicato está em linha com sua preocupante trajetória mundial de enfraquecimento do direito dos trabalhadores aproveitando-se de salários baixos e más condições de trabalho para proteger seus lucros.

Um infrator internacional de direitos trabalhistas

A empresa tem uma trajetória mundial repleta de acusações de abusos trabalhistas. Começando em 2017, a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF), a aliança global dos sindicatos dos trabalhadores em transportes, interveio em um enfraquecimento grave das normas trabalhistas por parte da ICTSI, a operadora do Porto de Tanjung Priok, em Jacarta, capital da Indonésia. Especificamente, os ativistas sindicais alegaram que o terminal operado pela ICTSI estava pagando aos trabalhadores 15% a menos que as outras operadoras de portos vizinhos. A ITF alegou também que a empresa infringiu leis trabalhistas da Indonésia ao, contra as ordens do governo, continuar a terceirizar mão de obra e esquivar‑se do pagamento de horas extras. Como disse, na época, um líder trabalhista da Indonésia, Didik Noryanto, Os trabalhadores do porto da ICTSI esperam que o governo da Indonésia demonstre liderança e tome uma atitude para defender os direitos humanos básicos desses trabalhadores, já que a ICTSI está fazendo uma campanha agressiva para reduzir seus salários e condições.

Essas preocupações levaram o Sindicato Marítimo da Austrália, no final de 2017, a liderar um bloqueio de várias semanas dos terminais do Porto de Melbourne, operado pela ICTSI, baseado especificamente no fato de que uma empresa com tamanha má reputação dentro da ITF não faria negócios na Austrália. Paddy Crumlin, o representante chefe dos portuários da ITF, declarou na época que, Todos conhecem as formas destrutivas da ICTSI e não vão mais aturá-las.

Crumlin descreveu a trajetória trabalhista desonesta da ICTSI como um câncer” que está se espalhando pelo mundo. De fato, naquele mesmo ano, o jornal Guardian revelou a prática de quebra de sindicatos e salários baixos no principal porto de Madagascar, também operado pela ICTSI. Esse drama, mais uma vez, voltou à Austrália, onde a ICTSI estava buscando aumentar sua presença. Em 2018, a ITF exigiu que a empresa fosse investigada depois de ganhar a concessão do terminal Webb Dock, no Porto de Melbourne. A ITF também levantou preocupações com as práticas antissindicais da empresa, em Madagascar, junto aos acionistas da ICTSI, encorajando-os a não reeleger dois membros do conselho por perder o controle das operações da empresa em lugares como Madagascar, onde, de acordo com o informativo Maritime Executive, a ITF “disse que as greves e protestos dos transportadores ocasionaram atrasos, com algumas das embarcações supostamente ancoradas e impossibilitadas de atracar por semanas.

Exploração da miséria

Mas, para entender completamente a reputação da ICTSI como uma operadora desonesta no mundo da gestão de portos, é preciso examinar o modelo de negócio da empresa, que especificamente se aproveita da miséria econômica e da completa falta de governança democrática em seu próprio benefício. Para entender esse modelo de negócio, você tem que conhecer seu presidente e presidente do conselho de administração, Enrique Razon.

Razon é uma das pessoas mais ricas das Filipinas, com um patrimônio líquido estimado em mais de $5 bilhões e é um herdeiro do setor portuário. Seu avô foi da Espanha para Manila para estabelecer seu principal porto. A partir daí, Razon construiu sua fortuna e notoriedade no setor de navegação basicamente entrando em países bastante indesejáveis, do ponto de vista dos direitos humanos, para não ter que competir com rivais em licitações e poder criar quase que um monopólio para si mesmo. Ele declarou aos investidores em 2015: Estou muito otimista sobre o Irã, Congo e Camboja... poderia dizer que se você investe em países que estão mal neste momento, mais tarde, você ganha sem ter concorrência.

E Razon gosta, principalmente, de abrir negócios na África Subsaariana, onde ele é acusado de arruinar sindicatos em Madagascar. Razon especificamente destacou que o desespero por infraestrutura significa que ele pode cobrar tarifas mais altas. Ele disse ao Wall Street Journal em 2014, Resumindo: o retorno é melhor com altos rendimentos no negócio de manuseio. Cobramos em torno de $45-$50 o manuseio de uma caixa no nosso terminal em Yantai [China]. O mesmo contêiner na África facilmente chega a $200‑$250.

Crumlin colocou grosseiramente em uma declaração anunciada em agosto de 2018: [É um] modelo de negócio que deliberadamente prioriza países onde os direitos humanos e trabalhistas são mais vulneráveis e que faz parcerias com alguns dos piores regimes antidemocráticos envolvidos em crimes contra a humanidade.

Mas, talvez as operações mais intrigantes da ICTSI tenham sido na República Democrática do Congo. Com infraestrutura de transportes ferroviários e rodoviários relativamente pobre, o Rio Congo é a principal rota de mercadorias no segundo maior país da África em território. Em dezembro passado, a empresa anunciou que gastaria $100 milhões para dobrar a capacidade de contêineres em suas operações portuárias em Matadi, onde tem o controle acionário da empresa portuária. Dez por cento da empresa é da estatal Société Congolaise des Transports et des Ports. Para a ITF, isso significa que a ICTSI não está simplesmente negociando com um regime corrupto, mas está inextricavelmente vinculada ao regime do Presidente Joseph Kabila, que a federação chama em seu website ICTSI Exposeduma das piores cleptocracias do mundo.

Atualmente, o império empresarial de Razon inclui casinos, um empreendimento que ele debochadamente chama de seu trabalho noturno, mas o setor de jogo nas suas operações não é menos sórdido. Em 2016, ladrões cibernéticos fugiram com $81 milhões da conta americana do banco central de Bangladesh no Federal Reserve Bank de Nova York, com $29 milhões que terminaram em uma conta da Solaire, uma das subsidiárias de jogos de Razon. Razon insistiu que o escândalo não prejudicou muito a sua reputação comercial.

A resistência dos trabalhadores australianos à operação de portos pela ICTSI baseou-se no medo de que a empresa buscando expandir sua presença em todo o mundo rebaixaria os padrões dos trabalhadores portuários do país. Os sindicatos australianos tinham razão ao se preocuparem: a liberalização econômica levou à redução do poder de negociação na Austrália e as filiações ao sindicato estão em declínio. De fato, o MUA enfrentou um processo catastrófico, semelhante ao que o ILWU está enfrentando, com relação a uma paralisação envolvendo carga da Chevron, que culminou com a fusão do MUA com outro sindicato.

Sacudindo o movimento dos trabalhadores em transportes

A ICTSI não está mais operando no terminal de Portland. Mas a sua existência naquele porto, a menos que o juiz do caso do ILWU decida rever o mérito ou conceder algum tipo de recurso, deixará para sempre uma marca no sindicalismo marítimo americano e sacudirá o movimento dos trabalhadores em transporte em todo o mundo.

No entanto, deve-se observar que a campanha do ILWU no terminal de Portland pode ser considerada imprudente. O litígio em Portland deve-se ao fato de que os trabalhos em questão se relacionam à operação elétrica de contêineres refrigerados. Logo, a International Brotherhood of Electrical Workers alegou que os trabalhos pertenciam, por direito, à IBEW. A ICTSI alegou que, como operadora do porto, o ataque do ILWU à ICTSI que foi, fundamentalmente, uma discussão sobre a jurisdição do sindicato, foi um boicote secundário. Foi realmente o melhor uso do tempo e da energia do ILWU ao brigar por alguns poucos trabalhadores que provavelmente iriam acabar representados por algum sindicato? Se olharmos para trás, veremos que certamente não foi.

Não está claro se as empresas relacionadas à ICTSI têm alguma operação portuária nos Estados Unidos ou planejam competir, em breve, por oportunidades em portos dos EUA a empresa não se pronunciou a respeito. O que ficou claro neste fracasso é que os empregadores estão prontos e dispostos a usar a proibição ao boicote secundário contra os sindicatos dos transportes na medida em que puderem paralisar as operações dos sindicatos. Os empregadores acolheram alegremente a decisão do júri, dizendo que manda um aviso ao sindicato e aos trabalhadores portuários em geral.

Remete ao tempo das guildas, quando as empresas usavam tribunais que favoreciam os empregadores para falir e destruir os sindicatos,” disse James Gregory, um historiador trabalhista da Universidade de Washington. Mais importante, ameaça a existência de um sindicato que por muito tempo tem sido um modelo de política progressiva e governança democrática, um sindicato que luta pelos direitos trabalhistas em todo o mundo, um sindicato que tem superado todos os desafios desde 1934. E se os tribunais forem novamente proferir decisões arruinando os sindicatos, nenhum sindicato está seguro e nem os direitos no local de trabalho com os quais todos nós, sindicalizados ou não, contamos.”

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